Queda de audiência da TV aberta: fatores sociológicos, tecnológicos e climáticos
09/06/2014 às 8h05
Ultimamente, quando se discute sobre os números de audiência entre as grandes emissoras do Brasil, é comum escutarmos algo do tipo: “Antes, esse programa dava 40 pontos, hoje não passa de 15. Está na hora de acabar logo com isso”, ou então, “Não dá mais a audiência que dava antes, precisa de uma reformulação urgente ou acabar de uma vez por todas”. Porém, a queda de audiência das emissoras merece ser analisada mais profundamente, e ela está certamente diretamente ligada à mudanças da sociedade, tecnológicas e até de fenômenos naturais.
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Nos anos 1970 e 1980 não era incomum novelas, telejornais, programas de auditório e filmes (especialmente na TV Globo, líder absoluta de audiência nessa décadas) passarem dos 60 pontos de audiência. Desde que o Ibope passou a medir a audiência diariamente, seguem as 10 novelas de maior audiência, segundo o blog do autor de novelas, Aguinaldo Silva: Roque Santeiro(1985) – 67 pontos; 2º. Tieta (1989) – 63; 3º. O Salvador da Pátria (1989) – 62; 4º. Renascer (1993) – 60; 5º. Rainha da Sucata (1990) – 59; 6º. Pedra sobre Pedra (1992) – 57; 7º. Fera Ferida (1993) – 56; 8º. Vale Tudo (1988) – 56; 9º. O Rei do Gado (1996) – 52; 10º. De Corpo e Alma (1992) – 52. Notem que quanto mais recente a novela, menor era a audiência, e que as novelas mais antigas eram as de maiores audiência.
Até meados dos anos 90 – especialmente nos anos 1970 e 1980 – a televisão era praticamente o único meio de entretenimento e informação para a população. A Globo conseguiu ir do terceiro lugar na audiência em seus primeiros anos de existência ao primeiro lugar, devido a um investimento maciço em sua grade fixa e de qualidade e por contratar os melhores técnicos e artistas do país, tornando-se assim a número um da América Latina quando falamos em produção própria na programação. Era comum orientarmos nossas ações e costumes após assistir o “Jornal Nacional” ou à novela das 21 horas.
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Com o passar do tempo, muitas outras tecnologias foram sendo introduzidas na sociedade. De 10 anos para cá, temos “gadgets tecnológicos” que até os anos 90 era impensável estarem incorporados a nosso dia-a-dia. Se você for pensar melhor, a queda de audiência da TV, de forma generalizada, se deu justamente com a popularização desses outros meios. Mais do que comum nos dias de hoje, temos videogames de última geração, SmarTVs, smartphones, TV a cabo mais acessível, internet popularizada e mais barata, etc. Para que esperar para ver uma notícia na jornal da TV à noite, se já li e vi tudo o que precisa durante o dia na internet? A prova disso é que a audiência da Globo (emissora que mais perdeu audiência na última década), em grande parte foi para essas outras mídias, não para as outras emissoras de TV aberta. A maior parte da audiência da TV aberta foi para os canais pagos – muitos deles também são da própria Globosat (Multishow, GNT, SporTV, Premiere FC, Telecine, Globo). Na verdade, vemos uma migração, em boa parte, do público da Globo para seus canais da TV a cabo. Obviamente, dezenas de canais também sugaram boa parte da parcela dos novos assinantes.
De acordo com o site “Notícias da TV”, para se ter uma ideia, em abril de 2014 a TV por assinatura bateu novo recorde de audiência. Pelo terceiro mês consecutivo à frente da Globo, o conjunto de canais pagos alcançou média de 9,62 pontos no horário nobre. Isso equivale a cerca de 5,7 milhões de telespectadores por minuto, numa projeção para todo o país, entre 19h e 1h. O setor também está comemorando uma alta espetacular em receitas com publicidade: cresceu 53% no primeiro bimestre em relação ao mesmo período de 2013, segundo o projeto Intermeios. Abril foi o quarto mês seguido de crescimento de audiência da TV por assinatura. Em janeiro, os canais pagos somavam 7,19 pontos, contra 9,15 da Globo sozinha. Em fevereiro, o conjunto de canais por assinatura deu um salto: marcou 9,02 pontos, enquanto a Globo, no cabo e no DTH, caiu para 7,84. Em uma leitura possível, a alta da TV paga está diretamente relacionada à troca de novela das nove da Globo. Com “Em Família”, na medição de TV aberta, a emissora perdeu mais de 10 pontos na faixa das 21h de janeiro para fevereiro.
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Com o advento da tecnologia, o público de hoje – acompanhando a evolução e o imediatismo tecnológico – exige uma velocidade e dinamismo nunca vistos antes. Hoje, o público acha de mais uma telenovela durar 8 meses no ar. Quer tramas mais envolventes, não repetitivas e dinâmicas, além de mudar muito mais de canal e zapear o conteúdo caso algo não lhe agrade em determinado canal. Não é fácil agradar o público de hoje em dia na TV, especialmente os jovens que costumam repercutir tudo o que assistem na internet praticamente em tempo real.
Além da migração para outras plataformas, fatores como horário de verão interferem diretamente na queda de audiência. Com os dias mais longos e mais claros, diminui significativamente o número de TVs ligadas nessa época do ano. Até mesmo em eventos pontuais devem ser levados em consideração. Dias com muito calor, afasta o telespectador de frente da TV e o coloca para fora de casa, assim como dias chuvosos o impedem de chegar em casa para assistir a determinado programa ou impede que ele saia de casa para ir a algum lugar. Parece secundário, mas não é bem assim.
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Em relação aos números, em 2004 a média-dia de audiência da Globo era de cerca de 20 pontos. Hoje é de 14. A Rede Record foi de 4 para 6, e o SBT de 7 para 5. Porém SBT e Record pegaram uma a audiência da outra. Os 6 pontos perdidos na média-dia da Rede Globo foram justamente para esses vários outros meios de entretenimento que surgiram e se popularizaram na última década. É totalmente aceitável essa queda de audiência na TV aberta, assim como também aconteceu em vários outros países pelo mundo. Nenhum programa , por mais sucesso que faça, vai dar 40 pontos de audiência. A novela “Avenida Brasil” – que foi um sucesso gigantesco (as ruas estavam desertas no último capítulo da novela porque todos estavam em casa assistindo) – deu 38 pontos de média-geral. Hoje em dia, há algo tão importante quanto a audiência em números, é o chamado “share”, que é o número de TVs ligadas em determinado programa. Ou seja, “Avenida Brasil” tinha 38 pontos de audiência, mas geralmente com share de 80% (ou seja, de 10 televisores, 8 estavam ligados na novela).
Portanto, é muito simplista, irresponsável e amador, simplesmente analisar que os números de determinada emissora caíram se comparados há 10 anos. Isso não significa muita coisa, ainda mais se ligarmos a audiência diretamente ao faturamento. O “BBB 14”, por exemplo, foi o que menos deu audiência, mas foi o programa que mais faturou. Se formos analisar outras emissoras, em 2006, quando a Record lançou o slogan “A caminho da Liderança”, suas novelas chegavam a cravar 15 pontos no Ibope; Hoje, sofrem para dar 5 pontos. O reality-show “A Fazenda” que chegava a marcar os mesmos 15 pontos em picos do programa, hoje dá 6 com muito esforço.
Todas as emissoras caíram, não apenas a Globo, que parece que caiu mais do que as outras porque é mais fácil notarmos uma queda de 40 para 20 pontos do que de 7 para 5. O decréscimo, todavia, foi o mesmo para todas proporcionalmente. Quando se for analisar a queda de audiência na TV atualmente, temos que levar todos esses fatores em consideração antes de assumirmos erroneamente que a audiência caiu por questão de qualidade, investimento ou qualquer outro fator.
Texto escrito pelo leitor Fernando Schiavi Leite
Autor(a):
TV Foco News
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