Nos anos 1980, e especialmente no início da década de 1990, a Globo teve dores de cabeça com uma concorrente que chegou a ameaçar o seu domínio na televisão: a TV Manchete. Com grandes investimentos em teledramaturgia e transmissão de eventos esportivos, a rede chegou a alcançar feitos históricos, como com a novela Pantanal (1990), uma das poucas produções do gênero a superar a emissora carioca no horário nobre até hoje.
Não há como negar que ousadia era algo que fazia parte do conceito principal da emissora para alcançar tais feitos, mas é possível afirmar que isso também foi um fator determinante para a sua extinção.
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Nos anos 90, a Manchete já enfrentava problemas financeiros, mas quem acompanhou de perto o fenômeno de audiência que foi a novela Pantanal, mal podia imaginar que apenas oito anos depois, a emissora entraria em uma crise ainda mais profunda, e que seria obrigada a fechar as suas portas.
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CONFIANÇA EM ALTA
A derrocada final teve início com a novela Brida. Mesmo no fundo do poço, a Manchete não abandonou sua ousadia, e apostou todas as fichas no folhetim, ou até mesmo fichas que não possuía. O material base da produção foi o livro Brida, de autoria de Paulo Coelho, um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos, e que já havia vendido mais de oito milhões de exemplares da obra até então. A Manchete tinha convicção de que poderia pegar carona no sucesso do livro para emplacar a sua nova produção.
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Isso ficou claro através do depoimento do saudoso Walter Avancini, diretor da novela. Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, a dois dias da estreia da trama, o profissional, que já era um dos mais experientes e consagrados da televisão, revelou que o projeto tinha “garantia de sucesso”, muito pela influência de Paulo Coelho. “É claro que estou contando com o sucesso do Paulo. Não consigo imaginar alguma coisa que tenha o nome dele e não dê certo”, disparou.
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Brida, no entanto, apresentou problemas logo em sua pré-produção. O papel de protagonista chegou a ser oferecido a atrizes como Tereza Seiblitz, Drica Moraes e Christine Fernandes, mas todas recusaram. Christiane, aliás, chegou a acertar sua participação na trama, mas desistiu de última hora. Anos mais tarde, ela revelou que o motivo da desistência foram as cenas de nudez que teria de protagonizar.
“Deixei de fazer a novela Brida com o Walter Avancini porque, ao receber os seis primeiros capítulos, constatei que minha personagem apareceria completamente pelada, gratuitamente, em quatro deles. Eu e Avancini brigamos e saí da novela. Não existia necessidade daquela nudez”, disparou a atriz, mesmo que o diretor negasse que as cenas eróticas da trama ocorreriam de maneira gratuita.
A escolhida para o papel acabou sendo Carolina Kasting, com 22 anos na época e uma atriz ainda emergente na Globo. Essa decisão ocorreu apenas uma semana antes do início das gravações. “Nunca fiz cenas de sexo ou nudez, mas resolvi confiar no Avancini da mesma forma que ele está confiando em mim”, revelou Carolina.
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Mesmo endividada, a Manchete não abriu mão de economias, e insistiu em gravar as primeiras cenas de Brida na Irlanda, assim como no livro, que tem parte da história ambientada no país europeu. Para isso, no entanto, a emissora chegou a fazer permutas para financiar a viagem com parte do elenco. De acordo com o diretor, esse esforço atendia à proposta de “renovação” da novela, que tinha previsão de realizar 180 capítulos, com um investimento de cerca de R$ 45 mil para cada um deles — pouco para os dias atuais, mas acima dos padrões para a época.
A aposta da Manchete para atrair patrocinadores também era arriscada: em contrato, a emissora estabeleceu que os investidores só pagariam os valores se Brida ultrapassasse 5 pontos de audiência, mas a expectativa era de que a trama atingisse o dobro disso.
MUDANÇAS EM VÃO
No dia 11 de agosto de 1998, Brida finalmente foi ao ar, mas logo de início, a audiência ficou bem abaixo do esperado, deixando Avancini inquieto. Logo no 14º capítulo, o diretor decidiu trocar Jayme Camargo, roteirista principal da novela, por Sônia Mota, filha do escritor Nelson Rodrigues, e Angélica Lopes, que já havia trabalhado com ele em Tocaia Grande. O diretor justificou a mudança como uma forma de “ter uma história mais focada no público feminino”. “O Jayme estava dando um olhar muito masculino à trama. Estava explorando muito as ações externas dos personagens. Quero uma história mais intimista, mais feminina. Não estava gostando desde o início”, afirmou.
O jornal Folha de S. Paulo detonou o início de Brida, e em uma crítica publicada pelo jornalista Paulo Vieira, chegou a afirmar que a novela era “um lixo”, e que chegava a ter sequências de “humor involuntário”. A intenção do folhetim, no entanto, era explorar o drama, erotismo e temas polêmicos. A trama era inusitada: acompanhava a personagem-título, que descobre pertencer ao mundo da bruxaria, e que já foi, de fato, uma bruxa em outras encarnações. Brida (Carolina Kasting) formava um triângulo amoroso com Lorens (Leonardo Vieira) e Mariano (Augusto Xavier, atual jornalista da RedeTV!), enquanto era perseguida pelo feiticeiro Vargas (Rubens de Falco).
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Sem obter resultados positivos na audiência, com índices inferiores a 5 pontos, Avancini resolve promover novas mudanças na novela, e dessa vez, aposta no “humor voluntário”, convocando as atrizes Rosane Gofman e Fafy Siqueira para integrarem o elenco da produção, e alterando o rumo da trama para dar mais destaque à Carla Regina, Tânia Alves e principalmente ao galã Victor Wagner, em sua quarta novela consecutiva na Manchete. “Não é exatamente essa a solução que eu gostaria de dar para o problema. Mas é esse o caminho que encontrei dentro das atuais circunstâncias e com os recursos que tenho”, desabafou o diretor.
O FIM
Não teve jeito. Sem recursos e sem atingir as metas de audiência que previam o pagamento dos patrocinadores, Brida naufragava na audiência. A equipe chegou a culpar o horário eleitoral pelo fracasso da trama, mas não parecia haver alternativas que pudessem salvar o folhetim. Já sem dinheiro, a Manchete deixou de pagar o elenco e os técnicos apenas dois meses após o início da novela, o que fez com que os profissionais se recusassem a gravar mais cenas.
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Foi então que, no dia 23 de outubro, a Manchete levou ao ar o 54º capítulo de Brida, e que marcaria o fim definitivo da novela após pouco mais de três meses no ar. O encerramento desse capítulo ocorreu de forma bizarra e confusa: no improviso, Eloy de Carlo, locutor oficial da emissora, narrou o que seria o desfecho da trama, sob um compacto de imagens já gravadas, por cerca de quatro minutos. O público ficou sem entender se aquele seria, de fato, o último capítulo da trama, que se encerrou com a média pífia de 3 pontos de audiência.
A emissora passou a anunciar uma reprise de Pantanal para o horário de Brida. Nos meses seguintes, a programação começou a se esvaziar, até que no dia 10 de maio de 1999, a Manchete saía definitivamente do ar após 16 anos, fazendo com que Brida se tornasse sua última novela original.
Em junho deste ano, o canal Montezano TV divulgou um vídeo em que mostra alguns dos seus membros entrando no complexo de Água Grande, no Rio de Janeiro, uma das antigas sedes da TV Manchete, onde eram realizadas gravações, especialmente de novelas da emissora, mas que hoje está completamente abandonado e em ruínas.
Em um sinal de total descaso à memória da extinta emissora, um dos youtubers chegou a encontrar um roteiro de Brida largado no chão; uma cena melancólica e simbólica sobre o fracasso administrativo de um canal que, infelizmente, e ao que tudo indica, foi vítima das suas próprias pretensões.