Choque e revolta: a história do naufrágio que matou famosa atriz da Globo em pleno Réveillon
01/06/2019 às 11h38
Em 1974, quando já fazia parte do time de atores da Globo, Yara Amaral estrelou um dos seus maiores sucessos no teatro: a peça “Réveillon”, com texto de Flávio Márcio e direção de Aderbal Freire-Filho, sobre familiares que comemoravam a virada de ano, mas que acabavam morrendo no final. Parecia até ironia do destino.
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Quatorze anos mais tarde, em 1988, aos 52 anos de idade, com 25 de carreira no teatro e duas décadas na televisão, Yara vivia grande fase, principalmente na telinha, na pele de Joana, a grande vilã de Fera Radical, novela das 18h da Globo. A trama chegou ao fim em novembro, e Yara já se preparava para a celebração de mais um grande ano profissional.
A atriz da Globo foi convidada pelo casal de amigos, Silvio e Dirce Grotkowski, proprietários da marca de cosméticos Payot, para curtir a virada de ano de uma forma diferente: em um barco, que chegaria próximo à praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, onde ocorre o Réveillon mais famoso do mundo, e que naquele ano receberia mais de dois milhões de pessoas para a tradicional queima de fogos. Yara chegou a convidar os filhos, Bernardo e João Mário, de 16 e 14 anos, para acompanhá-la, mas acabou acompanhada apenas pela mãe, Elisa, de 73 anos.
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Na noite do dia 31 de dezembro de 1988, Yara embarcou no Bateau Mouche IV, barco que ficava ancorado no cais do famoso restaurante Sol & Mar, na Enseada de Botafogo, e que era extremamente requisitado, principalmente por turistas e pessoas da alta sociedade.
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Naquela noite, em especial, apesar do tempo chuvoso e o mar agitado, além do alto custo de Cz$ 150 mil (cerca de R$ 780 nos valores de hoje) pelo passeio, muita gente também desejava aproveitar o Réveillon de uma forma diferente, e o Bateau Mouche IV acabou partindo, rumo à praia de Copacabana, por volta da 21h15, lotado.
TRAGÉDIA ANUNCIADA?
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Às 22h15, o barco foi interceptado por uma lancha da Marinha que fazia vistoria. Oficiais verificaram a documentação do barco e a habilitação do mestre-arrais, Camilo Faro. Há quem afirme que o Bateau Mouche IV poderia ter sido liberado ali mesmo, mas Camilo teria admitido a um oficial que suspeitava de superlotação, mesmo sem haver lista de passageiros ou checagem de nomes, o que fez com que o número exato de pessoas a bordo continue incerto até hoje.
As autoridades fizeram com que o Bateau Mouche IV retornasse ao cais. Lá, o sargento José Reinaldo Franco subiu a bordo, e de forma superficial, contabilizou até 149 passageiros. Mesmo sem condições estruturais, o barco foi liberado pela Marinha após 20 minutos de conversas com seus responsáveis. Nesse ponto, o caso se torna bastante obscuro, uma vez que algumas pessoas acusaram os oficiais de terem recebido propina para liberarem a embarcação.
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O Bateau Mouche IV tinha várias irregularidades. Tratava-se de um barco reformado e adaptado. Quando foi construído, em 1970, e batizado de Kamaloka, a embarcação tinha lotação máxima de apenas 20 pessoas, e mesmo após a sua reforma irregular, não poderia receber mais de 62 passageiros. Nessa reforma, o convés superior foi construído com um piso de cimento e a instalação de duas caixas d’água, que aumentavam consideravelmente o peso do barco e afetavam a sua estabilidade.
Além disso, o Bateau Mouche IV apresentava furos no casco, estava com as escotilhas abertas e os coletes salva-vidas fora do prazo de validade.
Quando o barco retomou a viagem, Yara decidiu ir ao banheiro, que ficava no pavimento inferior. Lá, se deparou com uma cena alarmante: a área estava inundada e o interior do vaso sanitário espirrava água do mar como um chafariz. Preocupada, a atriz da Globo chegou a relatar o fato à colega Dirce, mas nenhuma atitude foi tomada.
MORTES EM MEIO AOS FOGOS
Por volta das 23h50, poucos minutos antes da virada de ano, e na altura da Ilha de Cotunduba, próximo ao Morro do Leme, uma onda forte atingiu o barco. A falta de estabilidade fez a embarcação adernar, arremessando várias pessoas ao mar e dando início a uma tragédia.
O desesperou tomou conta de todos. Muitos foram atingidos por móveis do barco e ficaram desacordados, enquanto outros estiveram aprisionados no salão principal e não conseguiram chegar à superfície.
Alguns heróis se apresentaram naquele momento. O pescador Jorge Souza Viana, juntamente com a família, em seu barco de pesca, a Evelyn & Maurício, estava próximo, também para acompanhar as festividades que ocorriam na praia de Copacabana, e acabaram tendo de socorrer dezenas de pessoas que se debatiam e gritavam por socorro em alto-mar. Pouco depois, o iate Casablanca, do empresário Oscar Gabriel Júnior, que também estava próximo, socorreu vários náufragos. Mas, infelizmente, outras dezenas não puderam ser salvos.
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Na praia de Copacabana, milhões de pessoas apreciavam a intensa queima de fogos e celebravam a chegada de 1989, sem imaginar que, ao mesmo tempo, nem tão longe dali, outros perdiam a vida. “Não fosse a traineira do Jorge e o iate do Oscar, a tragédia teria sido ainda maior”, declarou o escritor Ivan Sant’Anna, autor de um livro que detalha o caso do Bateau Mouche IV, ao site BBC News.
Ao todo, 55 pessoas morreram, entre elas, Yara e a mãe, Elisa. “Entrei em choque. Custei a acreditar que havia perdido, de uma só vez, minha mãe e minha avó”, declarou Bernardo Amaral, filho da atriz da Globo, e que, três anos depois, criou a associação Bateau Mouche – Nunca Mais, para auxiliar as vítimas da tragédia.
Yara era a personalidade mais famosa que embarcou no Bateau Mouche IV, mas poderia ter sido acompanhada por outra estrela da Globo: Sérgio Mamberti. O ator veterano revelou, em entrevista ao jornal Notícias Populares, que havia sido convidado pela colega para o passeio de barco, mas recusou por ter outros compromissos naquela virada de ano.
CHOQUE E REVOLTA
As tradicionais coberturas dos festejos da virada de ano foram divididas com as informações sobre a tragédia do Bateau Mouche. O caso estampou capas de jornais, e a própria Globo fez uma intensa cobertura do caso na TV, principalmente através do Fantástico e do Jornal Nacional.
Porém, em meio ao luto, teve início a revolta da população e dos próprios familiares das vítimas, conforme surgiam as revelações de que havia inúmeras irregularidades com o Bateau Mouche IV, e que a tragédia, que antes parecia apenas uma grande fatalidade, sinalizava como um caso de negligência.
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O que se viu nos meses e até anos seguintes foi uma verdadeira batalha judicial. Muitos sobreviventes e familiares dos que morreram na tragédia entraram na Justiça contra a empresa Bateau Mouche Rio Turismo – que tinha como sócios majoritários os espanhóis Faustino Puertas Vidal e Avelino Rivera e o português Álvaro Pereira da Costa –, a Itatiaia Turismo, que patrocinou o passeio, além da União, por falta de fiscalização e socorro.
“Foi uma irresponsabilidade do grupo [Bateau Mouche], mas também do governo que permitiu a saída do barco. E, numa festa prevista de fim de ano, não tinha nenhum barco de fiscalização”, declarou o ex-ministro do Planejamento Aníbal Teixeira, que estava na embarcação e sobreviveu ao naufrágio, mas perdeu a mulher na tragédia.
Os três sócios majoritários da Bateau Mouche chegaram a ser condenados a quatro anos de prisão em regime semi-aberto por homicídio culposo (quando não há intenção de matar), sonegação fiscal e formação de quadrilha, mas, em 1994, acabaram fugindo para seus países de origem, e lá permanecem.
O caso se arrasta na Justiça até hoje: ninguém foi preso, e apenas uma pessoa recebeu indenização – existem atualmente 26 ações de vítimas da tragédia –, com o valor de apenas R$ 20 mil, sendo que o montante total chega a R$ 70 milhões.
“A sensação é que não temos um ponto final nessa história, e que o Brasil, com a Justiça como está, nunca se tornará um grande país”, disparou Bernardo Amaral.
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Yara Amaral também teve passagens pelas extintas TV Tupi, Excelsior e Manchete, além da Record. Na Globo, esteve em outros folhetins de sucesso como Irmãos Coragem (1970), Dancin’ Days (1978), Guerra dos Sexos (1983) e Cambalacho (1986).
A atriz também é bastante lembrada por seus trabalhos no teatro, principalmente por aquele que marcou o início da sua bela e marcante trajetória artística: o irônico e simbólico “Réveillon”, que lhe rendeu o Prêmio Molière, um dos mais importantes do meio. “Foi quase uma surpresa. Tanto em ‘Avatar’ [outra de suas peças] quanto em ‘Réveillon’, eu não fazia primeiros papéis. Minha intuição me diz que foi mais por causa da segunda peça, onde, eu sei, me joguei inteira”, confidenciou Yara na época.
Autor(a):
Renan Santos
Formado em jornalismo, fui um dos principais jornalistas do TV Foco, no qual permaneci por longos anos cobrindo celebridades, TV, análises e tudo que rola no mundo da TV. Amo me apaixonar e acompanhar tudo que rola dentro e fora da telinha e levar ao público tudo em detalhes com bastante credibilidade e forte apuração jornalística.