Em 2001, Globo trava guerra com o SBT e tira a Casa dos Artistas do ar: “Barbaridade”
18/05/2019 às 11h21
Mesmo em uma época na qual muitos apontam que a TV está perdendo a sua força para outras tecnologias e meios de distribuição de conteúdo, os realities seguem como um dos formatos mais consolidados, e ironicamente, é um dos temas que mais geram repercussão nas redes sociais.
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Há diversos formatos de realities de sucesso no Brasil, mas ainda são os de confinamento que rendem as maiores audiências e dão o que falar por aqui. O BBB (mesmo com as críticas à 19ª temporada) e A Fazenda, por exemplo, seguem oferecendo um gás extra à Globo e a Record. Mas é curioso recordar como tudo isso teve início na TV brasileira, há 18 anos.
SIGILO ABSOLUTO
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Silvio Santos, em mais uma de suas decisões repentinas, pôs no ar, no dia 21 de outubro de 2001, um programa intitulado Casa dos Artistas. Desde a manhã daquele domingo, despertava a atenção do telespectador algumas chamadas misteriosas que eram veiculadas pelo SBT, e que convidavam o público a “conhecer a intimidade dos artistas no dia-a-dia”.
Um mês antes, sem muito tempo para um planejamento mais profundo, Silvio organizou uma pequena equipe, liderada pelo diretor Rodrigo Carelli (hoje o principal comandante dos realities da Record, incluindo A Fazenda), que mantinha mistério dentro do próprio SBT, e que chegava a atuar fora das dependências da emissora, entrevistando profissionais para a Casa dos Artistas. Com um orçamento de R$ 5 milhões, a emissora adaptou uma mansão no bairro do Morumbi, em São Paulo, próxima a casa de Silvio, com 33 câmeras e 35 microfones.
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Hoje, os participantes de realities costumam assinar seus contratos com as emissoras com até meses de antecedência, mas naquela ocasião, a maioria dos doze participantes da Casa dos Artistas (Núbia Óliiver, Taiguara Nazaré, Bárbara Paz, Alexandre Frota, Leandro Lehart, Alessandra Iscattena, Mari Alexandre, Marcelo Mastronelli, Mateus Carrieri, Supla, Nana Gouvea e Patrícia Coelho) fecharam um vínculo com o SBT apenas uma semana antes da estreia.
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“Fui ao programa do Silvio, ele me chamou no camarim e perguntou se eu não queria participar de um reality show que eu nem sabia o que era nem ele podia explicar”, declarou Mari Alexandre, em entrevista ao UOL, em 2016.
“Só falaram que não era novela. Tinha que trabalhar e topei, assinei um contrato de confidencialidade. Foi secreto mesmo”, afirmou Taiguara.
SUCESSO E CONFRONTO
A estratégia funcionou, e o público, curioso para conferir aquela novidade, fez a audiência da Casa dos Artistas bombar logo em seu lançamento, chegando a derrotar o Fantástico, da Globo, por 31 a 28 pontos.
O programa seguia em alta mesmo durante a semana, e chegava a registrar 20 pontos de média, número ainda acima dos padrões para o SBT. Porém, quem não se mostrou nenhum pouco satisfeito com esse sucesso da Casa dos Artistas foi a Globo. E o problema não era apenas as derrotas impostas na audiência.
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Dias após a estreia do reality, a emissora carioca passou a acusar o SBT de plágio e ameaçava abrir um processo. O canal dos Marinhos alegava que a Casa dos Artistas não passava de uma cópia do Big Brother, formato que a Globo comprou da produtora holandesa Endemol em 1999, e que ainda era inédito no Brasil. Na época, a imprensa divulgou que Silvio Santos chegou a negociar a compra do formato, e que obteve documentos que indicavam como o programa poderia ser realizado.
O SBT reagiu de forma surpreendente, e em um comunicado de tom extremamente irônico, com o título de “Não há direito a monopólio: a indústria brasileira do entretenimento só pode crescer se a TV Globo deixar”, a emissora de Silvio Santos detonou a concorrente.
“Não satisfeito em derrotar o índice de audiência da TV Globo durante todo o domingo, o SBT cometeu a leviandade de, pela primeira vez, derrotar o Fantástico, sem pedir as desculpas devidas a este pilar de moralidade e correção que é a TV Globo”, diz o SBT no início do comunicado.
“[…] Por tudo isso, é justo que a Globo nos processe, ainda que seja por plágio de um programa que não está sequer produzido. Será plágio por adivinhação, por premonição”, continuou a emissora, que ainda acusou a Globo de explorar o caso de sequestro de Silvio Santos e de Patrícia Abravanel, que ocorreu meses antes, através da TV e da venda de jornais do grupo.
No mesmo dia, a Globo respondeu ao comunicado do SBT: “A nota cheia de ressentimentos, distorções e desejo de destruir é, em vários trechos, o reconhecimento da capacidade de nossas equipes, porque, ao tentar denegri-las, não consegue deixar de citar os seus sucessos”, disparou a emissora.
“O lamentável, porém, nesse episódio, é sabermos que o SBT tem consciência do valor dos direitos que a TV Globo adquiriu, porque durante vários meses negociou esses mesmos direitos com a Endemol, teve acesso a todos os detalhes do formato agora copiado e, quando suas negociações fracassaram, comprometeu-se a não utilizá-los. O triste é vermos uma empresa demonstrar publicamente o orgulho de ser esperta e de usurpar o direito de terceiros”, continuou.
“Resta-nos a esperança de que a nota distribuída em nome da diretoria do SBT não represente, de fato, a forma como esses diretores pensam e agem”, finalizou.
GUERRA DECLARADA
Em 31 de outubro de 2001, dez dias após a estreia da Casa dos Artistas, a Globo “declarou guerra” ao SBT de forma definitiva, ao entrar com uma liminar, e conseguir, através da Justiça de Osasco, que o reality fosse retirado do ar. Caso a decisão fosse desrespeitada, a emissora de Silvio Santos teria de pagar uma multa de R$ 200 mil por dia.
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O SBT decidiu acatar a decisão, e às pressas, antecipou a exibição do Programa do Ratinho, e divulgou no horário da Casa dos Artistas, o seguinte comunicado: “Infelizmente não exibiremos hoje o programa Casa dos Artistas. A TV Globo, através de liminar concedida pela Justiça, impede o SBT de exibir o programa. Esperamos que a justiça prevaleça em favor de você, telespectador, para que em breve possamos continuar levando até você um programa de qualidade, como o Casa dos Artistas”.
No início do seu programa, Ratinho, sem papas na língua, soltou o verbo e ironizou a decisão da Globo de retirar a Casa dos Artistas do ar. “É uma barbaridade… Ninguém pode fazer sucesso no Brasil, só a Globo que pode”, disparou. “Nós vivemos num país de 160 milhões, em que o povo não manda nada! Quem manda é uma tal de ‘poderosa’”, completou.
https://www.youtube.com/watch?v=SNFk4EVGpmc
O programa chegou a ficar fora do ar por mais um dia, mas o SBT logo entrou com um recurso, que acabou sendo acatado pela justiça, e a atração finalmente retornou à TV. O que se viu nas semanas seguintes foi uma verdadeira batalha judicial entre as duas emissoras, com a Globo conseguindo mais uma liminar que impedia a exibição do reality, mas que a emissora de Silvio Santos ignorou. Até que no dia 6 de dezembro, o SBT teve sua primeira vitória, quando a justiça cassou definitivamente a liminar da Globo.
FINAL HISTÓRICA
A ideia de Silvio Santos ao lançar a Casa dos Artistas não era exatamente derrotar o Fantástico, aos domingos, e sim No Limite, programa comandado por Zeca Camargo, e que foi, de fato, o primeiro reality da TV brasileira, mesmo que não tenha sido no formato de confinamento clássico. E aos poucos, o empresário realmente atingiu o seu objetivo, esvaziando o reality concorrente. Nas rodas de conversas (numa época em que as redes sociais sequer existiam), o assunto predominante era a Casa dos Artistas.
E no dia 16 de dezembro de 2001, o SBT finalmente levou ao ar a aguardada final do programa. Supla e Bárbara Paz, pioneiros entre os casais “queridinhos” do público, confirmaram o favoritismo, garantindo o primeiro e o segundo lugar — a atriz foi a grande campeã, levando o prêmio de R$ 300 mil.
A edição final registrou a incrível média de 47 pontos, com picos de 55, contra apenas 18 da Globo. Naquele momento, o reality entrava para a história como a maior audiência de todos os tempos do SBT, fato que emocionou Silvio Santos.
“Silvio ficou muito emocionado, chegamos a vê-lo chorar de emoção. Saiu lágrimas dos olhos dele”, revelou Patrícia Coelho, ao UOL.
“Ele falou: ‘O que aconteceu hoje nunca mais vai acontecer’. Sensação dele de que aquilo era um ápice. O choro da Bárbara foi muito impactante, tanto que ele se encantou por ela, chamou para ser protagonista de duas novelas. Ficou muito impressionado. Ele falava: ‘Isso é muito mais emocionante do que uma novela’”, contou Rodrigo Carelli.
VITÓRIA DA GLOBO?
A Globo não desistiu da ideia de provar que a Casa dos Artistas se tratava de uma cópia do Big Brother, e entrou com um novo processo contra o SBT, e que se arrastou por anos.
Mesmo tendo registrado a maior audiência da história do SBT, a Casa dos Artistas concretizou a “previsão” de Silvio Santos e não conseguiu alcançar os mesmos índices da primeira edição, ganhando apenas mais três temporadas, que pouco são lembradas pelo público. O reality foi encerrado definitivamente em 2004.
A Globo, por sua vez, tratou de estrear o BBB em 2002, poucas semanas após o fim da primeira Casa dos Artistas. O reality, como é do conhecimento de todos, segue firme rumo a sua vigésima temporada no próximo ano, e mesmo sem registrar a audiência de outras épocas, se mantém como um dos maiores faturamentos da emissora.
Em 2010, a Justiça finalmente considerou que a Casa dos Artistas se tratava de um plágio do Big Brother. Já em 2015, o Supremo Tribunal negou o último recurso do SBT na ação movida pela Globo, algo que gira em torno de R$ 18 milhões.
Saiba tudo o que vai acontecer sobre a nova novelas das 9 da Globo, Amor de Mãe.
Autor(a):
Renan Santos
Formado em jornalismo, fui um dos principais jornalistas do TV Foco, no qual permaneci por longos anos cobrindo celebridades, TV, análises e tudo que rola no mundo da TV. Amo me apaixonar e acompanhar tudo que rola dentro e fora da telinha e levar ao público tudo em detalhes com bastante credibilidade e forte apuração jornalística.