A atriz Leila Diniz escandalizou os conservadores nos anos 1960 com seu estilo e suas declarações para lá de controversas
Mesmo com os discursos cada vez mais populares de artistas sobre liberdade e quebra de padrões impostos pelo conservadorismo extremo, são poucos os nomes desse meio que viram alvo de superexposição com comportamentos que fogem do convencional, e mesmo assim, essa minoria não deixa de sofrer certa resistência da maior parte da sociedade. E se isso é motivo de controvérsias ainda nos dias de hoje, é possível imaginar que para uma figura pública, como uma atriz, adotar um comportamento liberal cerca de 50 anos atrás, era certeza de escândalo. E “escândalos” desse gênero permearam a carreira de uma das maiores estrelas dos anos 60 no Brasil: Leila Diniz.
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Mesmo apresentando um estilo rebelde desde a adolescência, fugindo de casa com apenas 14 anos, Leila chegou a trabalhar como professora do jardim de infância. Depois, a atriz carioca ingressou nas novelas e também tornou-se estrela de diversos filmes a partir da segunda metade da década de 1960. Um dos seus trabalhos mais relevantes foi Todas as Mulheres do Mundo (1967), filme dirigido por Domingos de Oliveira (seu marido na época), que foi um sucesso de crítica e público, e que lhe rendeu alguns prêmios.
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Leila, no entanto, passou a chamar mais atenção pela sua vida pessoal do que pelos trabalhos profissionais. A atriz adotou um estilo extremamente liberal, petulante, e sem papas na língua, falava o que pensava, disparando diversas vezes contra as convenções, potencializadas pelo início da ditadura militar no Brasil. Transgressora, a estrela era defensora pública do amor livre e do prazer sexual, algo visto como uma afronta à família tradicional.
A ENTREVISTA
O posicionamento “radical” de Leila a cerca desses temas seria escancarado em uma das entrevistas mais emblemáticas da história do jornalismo brasileiro. No dia 22 de novembro de 1969, o jornal O Pasquim, semanário alternativo, lançado naquele mesmo ano, e que fazia uma espécie de oposição à ditadura da época, trouxe como destaque da sua 22ª edição, uma longa entrevista com a atriz.
Nela, Leila falou abertamente sobre relacionamentos, com uma linguagem bastante informal, e que ao abordar temas como sexo, atingia o chulo. Ela não poupou palavrões (71 no total), e que o jornal fez questão de transcrever.
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Durante a conversa, a atriz fez revelações e comentários para lá de controversos, como “posso gostar de um homem e ir para cama com outro”; “acho um absurdo esse negócio de moça se casar virgem”; “pra mim seria bacana trep* todo dia. E não me importaria se fossem uma, duas, três, vinte ou mil vezes por dia. Eu tenho uma p* resistência física […] já me aconteceu de passar uns três dias não fazendo outra coisa na vida senão trep* sem parar” .
Também havia comentários e revelações ainda mais “radicais”, do tipo “eu nunca com* mulher nenhuma porque elas não tem p*. E pra mim, p* é um negócio essencial. Eu gosto muito da coisa entrando em mim”.
Na ocasião, Leila falou que estava em uma “situação fod*” em relação à carreira, pela dificuldade do cinema brasileiro na época, e disparou contra as emissoras de TV, endossando a velha história do “teste do sofá”: “Tá fod*! Para entrar lá [nas emissoras], você tem que d*r pra todo mundo”.
Os militares não podiam permitir que declarações tão fortes como essas circulassem pelas bancas e chegassem até o público. Pressionado, o jornal então decidiu substituir todos os palavrões por asteriscos. Mas nem assim, a entrevista da atriz deixou de chocar a sociedade. Aquela edição de O Pasquim tornou-se a mais vendida da história do tabloide, e a repercussão foi tamanha, que motivou o início da censura prévia à imprensa na época, através de uma ação que ficou conhecida justamente como “Decreto Leila Diniz”.
ENCURRALADA
Leila, que um ano depois, também causaria um enorme escândalo ao posar de biquíni e grávida da sua filha, Janaína — algo considerado um tabu para a época — , passou a ser perseguida pela polícia política. E se engana quem pensa que a atriz ao menos contava com o apoio de feministas da época. O estilo de Leila fez com que desagradasse tanto grupos da direita como de esquerda. As feministas alegam que a atriz estava “a serviço dos homens” e que só desvalorizava as ideias defendidas por elas.
As polêmicas da atriz também repercutiram mal dentro da Globo, emissora que oferecia alguns dos principais trabalhos a Leila na época. O canal decidiu então não renovar o contrato com a estrela, alegando motivos morais e disparando que “não haveria papel de prostituta em suas próximas novelas”. A biografia de Leila, lançada em 2008, e de autoria de Joaquim Ferreira dos Santos, chegou a revelar que Janete Clair, maior novelista da história da TV brasileira, era uma das que rejeitava Leila em seus folhetins pelo estilo polêmico da atriz.
Perseguida e sem oportunidades nas novelas, Leila foi acolhida por uma figura improvável: o apresentador Flávio Cavalcanti, tido como um homem conservador e apoiador do regime militar. O apresentador abrigou a atriz em seu sítio, e lhe ofereceu emprego no júri de um dos seus programas de calouros na extinta TV Tupi. Para isso, no entanto, Leila foi obrigada pelos militares a assinar um documento em que se comprometia a não soltar mais nenhum palavrão em público.
O pouco sucesso que ainda lhe restava, no entanto, foi se esvaindo no decorrer dos meses seguintes, fazendo com que a atriz apelasse para negócios paralelos, como a abertura de uma loja de roupas. Ela afirmou, no entanto, que isso se tratava apenas de uma estratégia para “trabalhar sem se cansar muito”.
A TRAGÉDIA
No dia 19 de novembro de 1971, Leila dá à luz a Janaína Diniz Guerra, fruto do seu relacionamento com o diretor moçambicano Ruy Guerra. Mas após três meses de reclusão, a atriz já aparecia novamente em público, no carnaval de 1972, desfilando na escola de samba Império Serrano. Leila também esboçou retomar a carreira artística estreando no espetáculo de revista “Vem de Ré”, aquele que seria o seu último show.
Em junho de 1972, a estrela viajou para a Austrália acompanhando uma delegação brasileira que participaria do festival de cinema de Melbourne. Porém, com saudades da filha, que tinha apenas sete meses na época, a atriz decidiu antecipar o seu retorno para casa. Ela então embarcou no voo 471 da Japan Airlines, que acabou caindo na Índia, matando 86 dos 89 ocupantes, incluindo a atriz, com apenas 27 anos. Um diário de Leila, encontrado após o acidente, revelou o que pode ter sido a sua última anotação: “Está acontecendo alguma coisa muito es…”.
A sua filha, Janaína, foi criada pela amiga, a atriz Marieta Severo e o seu marido na época, o cantor Chico Buarque, até o pai da criança, Ruy Guerra, ter condições de assumir a guarda.
Antes renegada, Leila acabou se tornando uma figura idolatrada com o decorrer dos anos. Após a sua morte, ela foi homenageada com títulos como a “eterna Garota de Ipanema” — por ter morado no famoso bairro carioca — , e entrou para a lista das “10 Grandes Mulheres Que Marcaram a História do Rio”.
A jovem atriz, que escandalizou a sociedade carioca nos anos 1960, virou símbolo da revolução feminina, com suas ideias e atitudes tornando-se referência para grupos que hoje lutam pela maior liberdade da mulher e a quebra de tabus. Mas mesmo com estilo às avessas para uma artista desse meio, já havia a aposta, naquela época, de que de forma positiva ou negativa, Leila era uma figura especial, e que por isso, ela não seria esquecida tão cedo. E não foi.
Confira a seguir um vídeo de uma série de 2015 realizada pelo Canal Brasil, que relembra trechos de entrevistas marcantes do jornal O Pasquim, interpretadas por atores, incluindo aquela com Leila Diniz: