OPINIÃO | Após Teleton, filhas de Silvio Santos participam de maldade contra Claudia Leitte
16/11/2018 às 11h15
O Teleton 2018 ficou marcado por uma mácula que envolveu Silvio Santos e Claudia Leitte. O dono do SBT, em sua participação ao vivo nos momentos finais da atração em prol da AACD, passou dos limites e cometeu assédio contra a cantora. A situação gerou discussões, dividiu o país, e as filhas do dono do baú resolveram se posicionar pelas redes com palavras elogiosas referentes ao pai e ofensivas direcionadas à Claudia.
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A edição anterior desta coluna foi alvo de comentários vindos de um grupo de leitores, os quais representam, tendo em vista suas concepções, uma expressiva parcela da sociedade brasileira atual. A intenção dessas pessoas é tentar desqualificar quem pensa diferente ou quem tem opinião distinta acerca dos variados assuntos ou situações que perpassam pelo cotidiano nacional. No entanto, a tentativa sempre resultará em falha, visto que a democracia permite a liberdade de expressão e o direito de contraponto.
Ressalta-se ainda que o viés de interpretação guia as concepções desse perfil de pessoas por caminhos não sensatos, infelizmente. Transformando a afirmação em realidade prática, toma-se como exemplo os próprios comentários na edição anterior desta coluna. Em nenhum momento houve qualquer menção negativa sobre a ligação telefônica de Jair Bolsonaro ao Teleton 2018; pelo contrário, a coluna elogiou a iniciativa inédita do presidente eleito.
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Dito isto, a coluna segue seu posicionamento, por se tratar de um espaço de caráter opinativo, e desta vez aborda o comportamento errôneo das filhas de Silvio Santos. Após um curto período sem posição alguma da família Abravanel acerca do ocorrido no palco da atração beneficente, três filhas do dono do SBT – Daniela, Patrícia e Silvia – saíram em defesa do apresentador pelas redes sociais e erraram ao criticar a cantora de axé. Erraram também ao justificar-se em alguns momentos utilizando-se o legado do comunicador.
De acordo com o consenso dos dicionários, há vários tipos de assédio; porém, em geral, dizem respeito a um comportamento insistente e inconveniente sobre outra pessoa, que possa tornar a situação constrangedora e humilhante. É impossível dizer que não houve assédio de Silvio sobre Claudia. Na ocasião, ele insistiu em falar sobre o vestido da cantora, mesmo ela tentando se desvencilhar do assunto. Usou o termo “excitado” no sentido literal, conforme afirmou no palco. E sugeriu, com suas palavras, que a roupa da cantora possibilitaria comportamentos eróticos por parte do público masculino. Tudo acompanhado, inclusive, de reações nitidamente desconcertantes de sua esposa e família.
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Pode parecer “mimimi” ou “brincadeira”, conforme alegou uma das filhas, mas o comportamento de Silvio representa um pensamento que mata – e muito. De acordo com os dados mais recentes da Organização Mundial de Saúde (OMS), a taxa de feminicídio do Brasil é a 5ª maior do mundo. Movidos por aspectos de nossa sociedade – ainda tão patriarcal, machista e conservadora –, os assassinatos dizimam milhares de mulheres. Então, chega de responsabilizar a vítima pela situação. Uma vestimenta jamais deve ser motivo para atribuir à mulher ou a quem quer que seja a culpa por um comportamento agressor. Todas as pessoas devem ser livres, inclusive para usar qualquer roupa, sem que isso possa impedir seu direito de ir e vir e de viver como quiser.
“Ela não deveria estar com vestido curto num evento beneficente para crianças”. É um dos pensamentos mais limitantes usado na defesa do apresentador. É a falta de educação sexual. É a falta de ensinar às crianças desde cedo que uma roupa curta não significa provocação por parte de uma mulher. Ela apenas está vestindo o que gosta, o que lhe faz bem, e deve ter sua liberdade assegurada. Enquanto ficarem justificando ações criminosas pelo tamanho da roupa da vítima, continuarão aumentando as taxas de mortes, as quais podem chegar a atingir inclusive parentes de pessoas que acusam as vítimas, atentando-se ao fato de elas terem primas, irmãs, mães, tias. Sobre isso, salienta-se ainda que as próprias filhas de Silvio já usaram vestidos curtos em edições passadas.
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Todos os posicionamentos da família Abravanel tiveram algo em comum: a defesa do legado de Silvio Santos. É difícil entender. A maioria das pessoas e artistas que saíram em defesa de Claudia Leitte não atacou o legado de Silvio como apresentador. Até porque ele possui uma trajetória profissional exemplar, de superação. O que não se deve, conforme pontuado pela coluna em sua edição anterior, é permitir que isso habilite o dono do SBT a fazer o que bem quiser, uma vez que sua influência sobre as pessoas é capaz de reforçar estereótipos e os aspectos negativos supramencionados.
“Está mais do que na hora de não darmos mais moral a essa moça. […] Saudades do tempo que haviam seres humanos movidos a amor e respeito e não saíam por aí atacando uns aos outros por embalo a um segundo de fama”, disparou uma das filhas de Silvio. Que maldade! A cantora aceitou o convite e se disponibilizou a cantar e pedir doações em prol da campanha da AACD. Isso é um gesto de amor. Essa justificativa de “segundo de fama” não se sustenta, tendo em vista a carreira consagrada da cantora. Além disso, o posicionamento de Claudia em rede social e na Globo foi importante, haja vista que isso abre espaço para o debate e o empoderamento de mais mulheres.
Ao contrário do que dizem as filhas e muitas pessoas que criticam o que chamam de politicamente correto, a cantora está apenas utilizando a situação para alertar a sociedade sobre os riscos desse tipo de comportamento, que em pleno século XXI ainda tentam naturalizar. Isso, contudo, não significa necessariamente uma afronta à dignidade nem a trajetória profissional de Silvio Santos. Ele errou sim. O máximo que a família deveria ter feito era pedir desculpas pelo ocorrido e endossar o direito das mulheres de usarem o que quiser em qualquer ambiente, sem que isso as prejudique ou as matem. Ou, caso não quisessem lutar por esses direitos básicos, ficassem em silêncio.
Continuar no discurso de brincadeira só reforça preconceitos e contribui com as taxas de assassinatos contra o público feminino. Inclusive, muitas pessoas têm usado uma passagem entre Claudia e um participante do The Voice para embasar seus argumentos. Sobre isso, fica a pergunta: quais os números de assassinatos por “masculinicídio”? Qualquer atitude que se configure assédio deve ser combatida. Entretanto, não se tem notícias de homens que foram assassinados em decorrência de assédio por roupas curtas. E, comprovadamente, há inúmeros casos de mulheres que terminaram mortas por usarem roupas curtas, sendo ainda acusadas de culpadas por estarem com tal vestimenta.
“Saudades da TV de antigamente. Onde existia muita brincadeira e pouco constrangimento”, falou outra filha. Essa afirmação remete ao debate sobre o comportamento de Silvio com o público LGBT. Em suas atrações, o comunicador sempre deu espaço para esse público, assim como tem uma plateia composta só por mulheres. Todavia, há que se ressaltar que os tempos são outros. Atualmente, há um movimento social em defesa da conquista dos direitos de todos, os quais são ofuscados muitas vezes pelo tipo de comportamento que reforça situações preconceituosas e negativas. Desse modo, é preciso compreender o papel social cada vez maior da televisão, principalmente nos tempos atuais, marcados por tantas supressões de direitos fundamentais.
Diante do exposto, entende-se que Silvio Santos não deve ser obrigado a mudar um comportamento que construiu ao longo de toda sua vida, bem como são inegáveis seus valores enquanto pessoa e seu merecido sucesso profissional. No entanto, algumas de suas atitudes são criticáveis e devem servir de exemplo de como não se comportar. Ou seja, não é válido tentar colocar Silvio num pedestal de intocável. Ele é um ser humano, conforme disseram as filhas, mas exatamente por isso comete seus erros. É maldade querer demonizar Claudia Leitte, que foi vítima da situação, ou o próprio Silvio Santos, que cometeu um erro que deve ser refletido e evitado. O extremismo brasileiro tem sido muito prejudicial a todos.
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* Danyllo Junior escreve sobre o mundo da televisão há 10 anos
As opiniões emitidas neste texto são de inteira responsabilidade do autor, não correspondendo, necessariamente, ao ponto de vista do TV Foco
Autor(a):
Danyllo Junior
Escreve artigos de opinião sobre televisão desde 2009. Enfermeiro, Mestrando da UFRN, autor de livro - Morte Gêmea - e contos, e apaixonado pelos afins da televisão. Integra a equipe do TV Foco/iG desde maio de 2013, assinando atualmente a coluna semanal ‘Ligado na TV’, na qual lança seu olhar sobre o curioso universo televisivo. (e-mail: [email protected])